sexta-feira, 25 de julho de 2025

Anarreira: quando minha mãe conheceu Marku Ribas.

 "Anarreira ki dá ny kénhá ki dá ny kénha UhAhRuh UhAhRuh"

Vire e mexe minha mãe comentava desse cântico, uma memória de um dia que ela passou no Benjamim Guimarães (último barco a vapor navegável do Brasil), onde tocou percussão e cantou esses dizeres. Minha mãe, Marcia Cristina, Tina ou Tika, é de Januária, no norte de Minas, cidade localizada na bacia do São Francisco, local de uma cultura ribeirinha e sertaneja pujante. Com o tempo passando, eu começando a me relacionar cada vez mais profundamente com arte, cultura e música, parecia que ia aflorando essas lembranças e cada vez um elemento ia se adicionando: "tinha um cara, tipo Carlinhos Brown. Ele ensinava a gente a tocar"; "foi uma vivência cultural"; "uma oficina de percussão".


O Gaiola

 

Na pandemia, após receber o pagamento pelos trabalhos na Bienal Virtual de Jaboticabal - onde exerci diversas funções músico acompanhante, uma apresentação autoral junto da Aisha Gold e Ariel Mooney; também fui entrevistado no projeto de memória, e acompanhei o trabalho hercúleo da Ale, da Thais e Dé Assis, que precisa ainda ser discutido e lembrado - enfim, após receber o pagamento da Bienal, decidi que iria devotar este labor em um tambor. Questões espiritoconceituaisestéticas! Conversando com o Hugo, poeta e com tradição familiar na capoeira, ele me arranja o contato do Montanha, mestre de capoeira e artesão de instrumentos. Entrei em contato e me interessei pelos seus tambores. Encomendei e passei as especificações que queria. 


 

Com a chegada do tambor, novamente minha mãe comenta do "Anarreira". 

 

Primeira pista: em dezembro de 2022, o André Assis Trio - formado por André Assis, Murilo Luppia e Vinicius de oliveira - teve a oportunidade de participar do 27º Encontro Coral da UNESP no Cine Theatro Municipal "Manoel Marques de Mello", em Jaboticabal, logo após a reforma e antes do teto novamente mofar. O repertório aproveitava o bicentenário da semana de 22, trazendo uma diversidade cultural nas peças. Uma delas era " Três cantos nativos dos índios krahos".  Eis que o terceiro canto era justamente aquela cadência, melodia e silabas que minha mãe lembrara.



Descobrimos a origem, porém, quem era esse cara do barco?

 

"A gente passou o dia todo no barco, era um evento cultural, tinha um cara que tava ensinando a tocar um tambor, ele era tipo o Carlinhos Brown. Liko que me levou, era uma oficina de percussão."

 

Liko é o irmão mais velho de minha mãe, o tio Liko. Mestre Liko é artista, escultor em madeira, mestre carranqueiro e santeiro.

Tio Liko e um de seus vapores


Com esse breve relato, fiquei encucado, imaginei que aquela figura pudesse ser um nome de expressão. Eis que passeando por alguns vídeos de Marku Ribas no youtube, caio em uma apresentação no programa Som Brasil, de 89, em que Marku interpreta "Tamarreira"!  No vídeo, ele interage com a plateia, pedindo que entoem junto com ele "UH AH RUH /UH AH RUH". Logo liguei os pontos: Marku, um artista barranqueiro de Pirapora - MG, O Benjamin Guimarães, oficina de percussão... e a canção. 






Quando mostro o vídeo, minha mãe reage com "eu conheço esse cara", confirmando a ideia. Era, de fato, o Marku que tinha ministrado essa oficina de percussão em Januária, no Benjamin Guimarães e que minha mãe participara.  
Tika e Liko 
Com o pessoal na oficina



A importância de Marku pra música brasileira ainda será revista, um multiartista de muita personalidade, que trouxe uma antropofagia cultural que foge da vertente canônica da MPB. A identidade barranqueira, a cultura dos povos originários, a modernidade panafricanista, o corpo livre em cena, a dança...


 Está em cartaz um espetáculo biográfico:

Texto retirado da página de divulgação do Musical.

O espetáculo Marku Musical homenageia a trajetória do artista Marku Ribas (1947–2013) — cantor, compositor, ator, dançarino e percussionista — reunindo no palco sua própria família numa criação que entrelaça teatro, música e projeções ao vivo. A dramaturgia parte da autobiografia inédita Marku por Marco Antônio, escrita pelo próprio artista, somada a memórias familiares e a um rico acervo documental. Com texto de Allan da Rosa e pesquisa dramatúrgica de Rafael Queiroz, a encenação mistura elementos ficcionais e documentais em uma linguagem híbrida e audiovisual.
Com direção de Lira Ribas, filha de Marku, e direção musical de sua irmã, Júlia Ribas, o espetáculo conta com as duas no elenco, junto à mãe, Fatão Ribas. Completam o time Mário Broder, Ìdòwú Akínrúlí e Gabriel Mendes.


Capa Coisas Naturais. marina sena referencia o primeiro disco solo de Marku(underground)


Nos meus últimos estudos de gravações caseiras, acabei fazendo uma versão da música Zamba Ben de Marku. gostei do resultado e em parceria com Emerson M(Artezap) fizemos um experimento audiovisual. 

Reverência a Marku – Zamba Ben.  
Interpoências, poética das interferências.
um experimento audiovisual. 
Interpretação e produção. Vini Oliveira
Vídeo. emerson M
#MarkuRibas #artezap

5 comentários:

  1. Caraca....a música dele ficou nas células da sua mãe e passou pra vc.... ancestral

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  2. Nossa eu fiquei tão feliz de finalmente ler um Blog novamente!!! Eu te admiro demais Vini, você que é um artista incrível, um músico sem igual
    E fico muito feliz de você compartilhar esse relato tão emocionante e importante, assim podemos saber mais sobre você também!
    Obrigada pelo texto, ficou incrível
    a música zamba ben ficou uma obra prima e leva o legado

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  3. Parabéns pelo excelente texto e valorizar os sentimentos de sua mãe.

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  4. Que maravilha de relato e história, dessas que a gente tem vontade de ver, ler e gritar pro mundo! Máximo respeito e admiração pelo ser humano incrível que habita em ti, Vini. De muita generosidade, competência e amizade sem fim!!! Que tenhamos muito mais conexões como essa, vividas e registradas em forma de canção e história. Forte abraço, meu querido!!!

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Anarreira: quando minha mãe conheceu Marku Ribas.

 "Anarreira ki dá ny kénhá ki dá ny kénha UhAhRuh UhAhRuh" Vire e mexe minha mãe comentava desse cântico, uma memória de um dia ...