Tentativa frustrada de lidar poeticamente com minha síndrome de underground.
sexta-feira, 19 de setembro de 2025
Pensamentos breves sobre Hermeto
Primeiro contato de III grau depois de II - V - I em G Maior
acredito que uma das memórias mais antigas que tenho com Hermeto é de vê-lo interpretando trem das onze com um sugador de saliva no dentista. quase nenhum que entra em contato com isso pela primeira vez codifica. vem geralmente um tom cômico, mas adentrando no universo universal de Hermeto nós percebemos o quanto aquilo é sério.
agora farei uma digressão pra explicar que sério é este que estou falando. para isso utilizarei o auxilio de passagens do livro crítica da razão tupiniquim de Roberto Gomes. no capitulo "A sério: A seriedade"
ele diz:
"Prestando atenção, vemos que há vários empregos possíveis para a palavra sério e, conseguintemente, vários sentidos para a "seriedade". creio que isso fique claro se considerarmos estas duas ocorrências: "Fulano de Tal é um homem sério" e "Fulano de Tal leva a sério seu trabalho
.
Estre esses dois empregos não há apenas o acréscimo de uma letra, mais uma mudança de perspectiva de acentuação. Mudou o caráter da seriedade em questão. No primeiro caso queremos dizer que Fulano de Tal é um homem que zela pela seriedade das aparências. É respeitador das normas e convenções sociais. Seria incapaz de "sair da linha". dele não se esperam coisas que fujam ao normal estatístico. Isto vale dizer: Fulano de Tal é um homem respeitador e respeitável.
Na segunda ocorrência, a seriedade em questão remete à outra gama de significações. Levar a sério, seja um trabalho, um lugar ou um amor, não consiste no zelo pela vigência de normas sociais.
Ao contrário. O aceno faz com que toda carga significativa recaia sobre o aspecto interno e virtualmente negador do socialmente admitido. Se levo a sério, isto é algo que sai de mim em direção ao objeto de seriedade. se sou sério me coisifico como objeto de seriedade. Aí está a diferença entre o que é dinâmico — eternamente em questão — encontrado no a sério, e o caráter da coisa acabada e estéril da seriedade do sujeito objetificado. A sério, revigoro o mundo mundo com um quantidade imensa de significações. Sério, reduzo-me a objeto morto, caricato, de existir centrado no externo.
Ao levar a sério, estou profundamente interessando em alguma coisa, a ponto de voltar todas as minhas energias no sentido de sua realização — outro não sendo o princípio de erotização do agir. Mesmo quando isso exige "sair da linha". Só aqui poderemos encontra o germe revolucionário indispensável à criatividade."
Neste sentido que atribuo ao Hermeto no dentista tocando trem das onze no sugador de saliva o termo sério.
Não vamo premeditar nada
Agora comentarei sobre o ultimo grande ensinamento que estou aprendendo com Hermeto até então. Ele sempre comentou no decorrer da vida como é uma pessoa 100% intuitiva. que não gosta de premeditar. Esse pensamento está ao meu ver melhor sintetizado na sua potencia máxima de linguagem que é o som.
Na faixa Chapéu de baeta do disco Festa dos deuses Hermeto faz um discurso improvisado, encadeando palavras, sons, ruídos, frases — num tecido sonoro complexo que podemos ouvir também em faixas como O gaio da roseira do disco A música livre de Hermeto Pascoal — esse discurso atinge seu ápice quando Hermeto proferi em voz esganiçada e urgente:
NÃO VAMO PREMEDITAR NADA!! PORCARIA NENHUMA.quem premedita não procura e jamais encontra. vejo essa frase como a grande síntese de seu pensamento criativo.
no vídeo não tem a finalização da frase, indico ouvir a música inteira.
Mais verde que o dólar são essas arvores maravilhosas
Trago agora uma entrevista dos anos 80 em que Hermeto comenta a dificuldade que enfrenta de tocar no Brasil, Por conta de poucos equipamentos culturais e também por uma não valorização do músico brasileiro, ele chega a comentar que tem medo de entrar no Teatro municipal e sair preso. (Lembrando que nesse momento Hermeto já era mundialmente reconhecido pelo seu trabalho único).
Assistir minutagem 0:22 - 2:10
Nesses comentários nós vemos a real situação da arte e cultura no pais, que em muitos pontos perduram até os dias de hoje. Hermeto fez sua passagem, com o reconhecimento que merece, porém passou muitos percalços no mercado e indústria.
A música universal como um método desierarquizante de timbres
Muitas vezes Hermeto diz que na música a harmonia é a mãe, o pai é o ritmo e o filho é a melodia. Uma leve estrutura organizacional. O que me interessa muito é a equidade dos timbres que ele a vida toda levou ao palco. O rhodes esta ali em mesmo pé de igualdade de uma bacia, um tom, uma cumbuca, uma chaleira, a escaleta, o piano, a pá de pedreiro, os porcos reais e de brinquedo, a sanfona, o agogo, o violão, a viola,o pife, a flauta baixo, o corpo...Nenhum timbre era rechaçado pela sua percepção e isso é um grande ensinamento pra qualquer um que queira mexer com som.
Certa vez vi uma entrevista com Jovino (que tocou muitos anos com Hermeto e é responsável por muitas das transcrições das partituras do Bruxo para uma notação convencional) em que ele comenta da possível formação do ouvido perceptivo do Hermeto. Ele investiga essa noção cromática que aparece muito na música do campeão. comenta que o avô de Hermeto era ferreiro, fazia peças de metal e deixava penduradas no varal e Hermeto na brincadeira de garoto jogava pedras nessas cúpulas de ferro, que vibravam emitindo muitos harmônicos, constituindo assim sua base de tecidos harmônicos. Jovino faz essa investigação, eu acho muito pertinente. O ritmo e melodia tem muitos registros de Hermeto falando de fazer flautas de bambu pra tocar com os sapos...
Tenho procurado um vídeo em que Hermeto fala de sua experiência chegando em São Paulo e de como admirou o som do trânsito, dos motores do carro, e de como aquela massa sonora era tão interessante quanto o som de um rio, ou uma floresta.
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