"Anarreira ki dá ny kénhá ki dá ny kénha UhAhRuh
UhAhRuh"
Vire e mexe minha mãe comentava desse cântico, uma memória
de um dia que ela passou no Benjamim Guimarães (último barco a vapor navegável
do Brasil), onde tocou percussão e cantou esses dizeres. Minha mãe, Marcia
Cristina, Tina ou Tika, é de Januária, no norte de Minas, cidade localizada na
bacia do São Francisco, local de uma cultura ribeirinha e sertaneja pujante. Com
o tempo passando, eu começando a me relacionar cada vez mais profundamente com
arte, cultura e música, parecia que ia aflorando essas lembranças e cada vez um
elemento ia se adicionando: "tinha um cara, tipo Carlinhos Brown. Ele
ensinava a gente a tocar"; "foi uma vivência cultural";
"uma oficina de percussão".
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O Gaiola |
Na pandemia, após receber o pagamento pelos trabalhos na
Bienal Virtual de Jaboticabal - onde exerci diversas funções músico
acompanhante, uma apresentação autoral junto da Aisha Gold e Ariel Mooney;
também fui entrevistado no projeto de memória, e acompanhei o trabalho hercúleo
da Ale, da Thais e Dé Assis, que precisa ainda ser discutido e lembrado -
enfim, após receber o pagamento da Bienal, decidi que iria devotar este labor
em um tambor. Questões espiritoconceituaisestéticas! Conversando com o Hugo,
poeta e com tradição familiar na capoeira, ele me arranja o contato do Montanha,
mestre de capoeira e artesão de instrumentos. Entrei em contato e me interessei
pelos seus tambores. Encomendei e passei as especificações que queria.
Com a chegada do tambor, novamente minha mãe comenta do
"Anarreira".
Primeira pista: em dezembro de 2022, o André Assis Trio - formado
por André Assis, Murilo Luppia e Vinicius de oliveira - teve a oportunidade de
participar do 27º Encontro Coral da UNESP no Cine Theatro Municipal
"Manoel Marques de Mello", em Jaboticabal, logo após a reforma e
antes do teto novamente mofar. O repertório aproveitava o bicentenário da
semana de 22, trazendo uma diversidade cultural nas peças. Uma delas era "
Três cantos nativos dos índios krahos". Eis que o terceiro canto era
justamente aquela cadência, melodia e silabas que minha mãe lembrara.
Descobrimos a origem, porém, quem era esse cara do barco?
"A gente passou o dia todo no barco, era um evento
cultural, tinha um cara que tava ensinando a tocar um tambor, ele era tipo o
Carlinhos Brown. Liko que me levou, era uma oficina de percussão."
Liko é o irmão mais velho de minha mãe, o tio Liko. Mestre
Liko é artista, escultor em madeira, mestre carranqueiro e santeiro.
Com esse breve relato, fiquei encucado, imaginei que aquela
figura pudesse ser um nome de expressão. Eis que passeando por alguns vídeos de
Marku Ribas no youtube, caio em uma apresentação no programa Som Brasil, de 89,
em que Marku interpreta "Tamarreira"! No vídeo, ele interage
com a plateia, pedindo que entoem junto com ele "UH AH RUH /UH AH
RUH". Logo liguei os pontos: Marku, um artista barranqueiro de Pirapora -
MG, O Benjamin Guimarães, oficina de percussão... e a canção.
A importância de Marku pra música brasileira ainda será
revista, um multiartista de muita personalidade, que trouxe uma antropofagia
cultural que foge da vertente canônica da MPB. A identidade barranqueira, a
cultura dos povos originários, a modernidade panafricanista, o corpo livre em
cena, a dança...
Texto retirado da página de divulgação do Musical.
O espetáculo Marku Musical homenageia
a trajetória do artista Marku Ribas (1947–2013) — cantor, compositor, ator,
dançarino e percussionista — reunindo no palco sua própria família numa criação
que entrelaça teatro, música e projeções ao vivo. A dramaturgia parte da
autobiografia inédita Marku por Marco Antônio, escrita pelo próprio
artista, somada a memórias familiares e a um rico acervo documental. Com texto
de Allan da Rosa e pesquisa dramatúrgica de Rafael Queiroz, a encenação mistura
elementos ficcionais e documentais em uma linguagem híbrida e audiovisual.
Com direção de Lira Ribas, filha de Marku, e direção musical de sua irmã, Júlia
Ribas, o espetáculo conta com as duas no elenco, junto à mãe, Fatão Ribas.
Completam o time Mário Broder, Ìdòwú Akínrúlí e Gabriel Mendes.
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Capa Coisas Naturais. marina sena referencia o primeiro disco solo de Marku(underground) |